sobre // quase-manifesto
O manguezal prospera na escassez de oxigênio, na destituição das condições asfixiantes que o destino lhe reservou; raízes altas que elevam a vida para além da potência destrutiva do oceano, que retornam à lama salgada — onde só é possível habitar se sujando — e a tornam meio de vida. Ecossistema de transição nas margens do terreno e do submarino, o manguezal se acostumou à precariedade ontológica do ser-entre que muito gostaríamos de esquecer com mais uma rodada de neuroses epistêmicas. O manguezal aposta na não-obviedade, no que, para o resto, é estranheza ambiental e ruína ecossistêmica.
manguezal — filosofias e poéticas afrodiaspóricas nasce de um desejo: há um tempo, temos percebido que, no pequeno vasto kósmos da filosofia acadêmica, para além da velha exclusão que cansamos de denunciar, ainda operante, muitas vezes encontramos a inclusão paternalista que nos quer sempre menos do que podemos ser: assim, proliferam tokenismos e assimilações domésticas, obviedades estigmatizantes, ficções de subalternidade; enfim, toda a festividade infértil de tapinhas nas costas na qual nossa “presença é muito importante”, desde que nos comportemos e não ousemos descurralizar o pensamento — o nosso e o deles. Assim, ou nos apontam um vazio {de rigor, valor, filosofia} ou nos desobrigam quanto ao seu preenchimento {vale-tudo já que somos incapazes}.
Nessa situação, poderíamos desejar algo que não fosse ser-mais em relação ao que nos é oferecido? (sim, claro que poderíamos, porém…) Transcender, assim, a situação para encontrar outras formas de ser-situado? (ser + do que 1, - do que 2)
“Parditude ou negritude?”
M I S T É R I O
Por que ainda temos de dizer que a questão do que somos é a questão do que tentamos não-ser mais?
Os discursos que agitam o debate racial no Brasil desaguam, com frequência, na redução identitária de um problema de ordem cosmológica.
Perguntar-se pelo mundo que vivemos dá lugar a tentativas de resolver o que significa ser-negro.
(útil para: cálculos político-estatais, microfeudalismos cotidianos, delimitação cada vez mais precisa de lugares de fala, soluções inteligentes para produtos representativos, portfólios de ancestralidade, dobrar a aposta delirante do colonialismo, afogar Fanon).
Não está mais no horizonte conspirar & implodir o que nos asfixia para que, enfim, possamos r e s p i r a r — para que nos tornemos, precisamente,_̷̪͑̚_̷̪͠_̴͓̇_̴̧̖̂͗_̶̤̙͎̂͐̀͒_̴̫̋̈̊̐̓_̴̩̦̊̋_̸̼͑ͅ?
De todo modo, nossa firmeza + orientação está no enraizamento nômade; nosso problema é o da criação autônoma na disciplina indisciplinar, do desvio como técnica; tema-e-improvisação, remixagem, respeito às tradições e transgressões — nosso banquete. A movimentação é delicada: desobstruir os fluxos criativos para fomentar o rigor, liberar a escrita para suas derivas mais precisas, desfazer a hetero/autoimposta censura para criar novas regras e quebrar as nossas regras e jogar a escada fora depois que subirmos.Tudo isso = doses generosas de autoestima, talvez um tico de fogo amigo; teste de amizade e de coragem. Veremos até onde isso nos leva: impropriedade & impureza, fontes de força maior.
